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(…)
Hoje, passada a madrugada, continuei o dia com a minha parte mais sombria; soltaram-se-me as minhas recordações, presentes, passadas e futuras, e não encontrava caminho linear entre elas.

Não só importa escrever sucessivamente, mas saber quem me sucederá numa constelação de sentidos.

O que é a descendência?

A seiva sobe e desce numa árvore, estende-se pelos ramos, e é regulada pelas estações; eu e a árvore dispomo-nos uma para a outra, num lugar por nomear. Este lugar não tem significação de dicionário, não transmigrou para nenhum livro.

Agora o sol, o solo, a solo, encadeiam-me nas palavras      Esta madrugada aproximei-me da certeza de que o texto era um ser.



Llansol, Maria Gabriela, um falcão no punho -
Diário I, Lisboa: Edições Rolim, 1985.




(…)
.ardem os vocábulos .elegem-se
as diferenças num apagar de restos e Salomé
exige a cabeça de João Baptista sob o olhar
in.operante da turba
.morre-se de morte apagada
neste oscilar de fontes e os versos
eternos espelhos de uma indiferença mortífera
re.pousam maltratados na canalhice de quem
os quer anavalhados .outros escritores de
memórias
- que não eu
cansada de complacências
-
levantam na cumplicidade de um raio o
sobreviver ao holocausto da escrita
enquanto
o sulco fraterno estabelece pontes entre os
moribundos .deixo-me embalar num sorriso
triste e digo-me que não volto atrás rendida
à in.conveniência do momento .sobram retalhos
.acende-se a viagem .arrisca-se a celebração
pagã de um a-deus .do poeta a sombra ou o
desgaste mutilado do verso que não chega



Martins ,Gabriela Rocha
in “anamnésis”,
(1º andamento
- do im.perceptível ao legível )